Nacional
Chico António: “molwene” que virou estrela musical
2017-03-06 12:14:02 (UTC+00:00)
Há verdadeiras histórias de vida que contadas parecem ficção.
A do músico moçambicano Chico António é uma delas. Autor de canções que viraram autênticos hinos da Rádio Moçambique (RM) nos anos 80 e 90, como “mercandonga”, “hantlissa Maria” “baila Maria”, entre outras, Chico António dialogou recentemente com os repórteres do nosso jornal, em Maputo.
Como sempre, extravagante, com as suas trancas, não liga para o nosso pedido de desculpas por termos chegado tarde ao local do encontro: 30 minutos.
É que para além deste aparentemente pequeno atraso, o ponto é que a entrevista havia sido marcada há vários meses, mas sempre adiada. Tudo isso Chico perdoa. Afinal essa espécie de paciência de pescador é produto de uma vida cheia de uma mistura de altos e baixos, como leitor vai descobrir adiante.
Só um cheirinho: Já imaginou um miúdo de oito anos na cadeia Civil de Maputo preso durante nove meses? Esse miúdo foi o Chico António, o mesmo que anos mais tarde viria a ser cantor e chegou a ganhar um prémio internacional de música africana promovido pela Rádio Franca Internacional (RFI), e no qual concorreram mais de três mil artistas do continente, numa avaliação do conceituado Manu Dibango. Acompanhe a seguir partes significativas do diálogo que mantivemos com este homem, sobre o qual nos dias que correm se filma e se escreve a sua biografia.
FOLHA DE MAPUTO (FM) – Chico. Potencialmente esta entrevista poderá ser lida por gente mais jovem que não conhece muito bem a sua trajectória. Afinal quem é o Francisco António?
Chico António (CA) - Nasci em Magude, província de Maputo, em 1956. Era pastor de gado. Com seis anos fugi de casa por ter perdido metade da manada, que era do meu pai. Meu pai tinha uns 40 bois, e grande número de ovelhas e cabritos. Metade disso foi roubado um dia desses. Só por perder um cabrito era motivo de muita porrada. Agora imagine perder metade de uma manada. Tinha medo de ser morto à pancada. Conheço bem aquela minha gente de Magude. Quando se zanga vira fogo. O gado foi roubado. Minha mãe ainda tentou me consolar, mas não aguentei. Com a minha tenra idade apanhei comboio em direcção a Lourenço Marques (Maputo). Nem sabia para onde ia. Vim Parar aqui. Fiquei dois anos como menino da rua. Quando completei dois anos na rua a policia colonial apanhou-me a dormir num banco de jardim. Foi no ano de 1964. Vim em 1962 a Lourenço Marques. Fui levado para a Cadeia Civil, numa cela onde havia homens, mulheres e crianças. Imagina o que era aquilo. Ali fazia-se de tudo. Eu via de tudo. Fiquei nove meses ali. Bom. Depois souberam que vinha um novo e moderado Governador de Moçambique, e começaram a tirar as mulheres e crianças para coloca-las no devido lugar. Eu fui levado para o Chihango (orfanato). Ali aparecerem duas mulheres de raça branca, que eu nem sabia quem eram. Os policias queixaram, dizendo que eu e o meu amigo, com quem havia sido preso, não aceitávamos fazer nada naquele centro. Diziam que éramos desobedientes. Então uma das senhoras que se chamava Lili Ferreira dos Santos, que é a sogra do médico moçambicano, o Dr João Schwalbach, porque este casou com a minha irmã adoptiva….e porque eu continuava muito malandro fui mandado par o colégio religioso são José de Lhanguene, desde 1965 até 1975. Frequentei a escola primária e secundária e depois a escola Industrial. Fiz o curso de Química, a viver ali. Depois da independência a Frelimo tirou-me dali e levou-me para o Covo Lar.
Bom vou recuar para dizer que aos nove anos já era corista de um coro de 70 pessoas na Missão José . Comecei a aprender o trompete, a ler pauta, solfejo, tudo isso ali. O canto já vem dali. O Instrumento trompete vem dali.
Em 1978 o Costa Neto convida-me para ser trompetista de uma banda de jovens chamada ABC78 , que tocava em casamentos, festas e bailes. Nesse conjunto, para além de mim e Costa Neto, estava o Ildo Ferreira, os irmãos Monteiro. Fiquei nesse conjunto um ano. Fomos chamados a tocar no restaurante Sanzala. Eu precisava de dinheiro para viver. Os meus pais adoptivos já tinham ido a Portugal, logo depois da independência. Fomos aprovados para tocar no Sanzala em 1979. Fiquei quatro meses apenas. Como era bom trompetista fui convidado para ir tocar no Hotel Polana, com outro grupo. Depois disso o André Cabaco, o Alípio Cruz , o Silio Paulino, convidaram para um outro agrupamento, o grupo Um. Fiquei nesse projecto ate 1982. Depois o grupo desmembrou-se. Alguns foram para Portugal porque já não aguentavam com a vida aqui, que era dura.
Foi então que fui convidado para o grupo RM, em 1983, com Wazimbo, Sox, José Guimarães, Alípio Cruz, Zeca Tcheco, Alexandre Langa, Zevo. Aquela equipa toda. Fiquei desde 83 até 1992. Sai nesse e fiquei a solo.
FM - O que faz nos dias que correm. Aparentemente, andas desaparecido da praça pública.
CA – Faço parte do grupo Transito. Eu, Chud Mondlane, Edmundo e Nico Sandala. Trabalhamos com os instrumentos percussivos. Não temos guitarras, computadores, teclados, etc. Trabalhamos e recuperamos mbiras, flautas, e outros instrumentos tradicionais que quando são misturados com os outros modernos não sobressaem. Tentamos introduzir instrumentos em vias de extinção, porque as pessoas não tocam, e mostrar que há muitas maneiras de fazer música. Os músicos podem usar esses instrumentos e não usar uma linha só de fazer a marrabenta, por exemplo, ou Pandza. Há várias maneiras de fazer a música.
Desde séculos e séculos, aqueles instrumentos como sejam flautas de bambú, ou vucovuco, por exemplo, dão uma direcção própria por causa da sua sonoridade e melodia.
Portanto, fizemos um grupo chamado Trânsito porque são pessoas que estão em trânsito. A Chud Mondlane, agora está aqui, mas vive nos Estados Unidos da América, o Nico está cá por uns quatro anos mas depois vai embora. O Edmundo é moçambicano, esteve cinco anos na Alemanha, voltou, mas um dia se calhar vai embora. O Chico é aquele que vai e vem. Portanto, como é um grupo que nem sempre está junto, chamamos de Trânsito.
Como disse o projecto consiste em usar os instrumentos que raramente são usados, e como não são usados, um dia podem desaparecer.
Um outro projecto que vou começar chama-se Moya. Vou trabalhar com duas mulheres da Swazilândia, belíssimas vozes para tentarmos criar cancões a partir dos seus sentimentos. A maneira de sentir swázi e maneira de sentir dos moçambicanos. Sempre tentando encontrar uma forma de as músicas terem o condão de serem músicas africanas. Então, estou com essa duas mulheres . Já tocamos no festival da Música no Centro Cultural Franco Moçambicano (CCFM), aqui em Maputo.
Isto é o que estou a fazer nos dias que correm. Bom para além disso estou a participar na gravação de um documentário sobre a Marrabenta, produzido pela Cine Vídeo, onde estou eu, o Wazimbo, o Moisés, do Djambo, o João Domingos, o Xidiminguana, o Dilon Djindje. Neste documentário tentamos contar a trajectória da Marrabenta, desde que ela foi criada ate os dias de hoje. Desde os chamados “Kotas” (mais velhos) como Mahecuane, Dilon, passando pelo Wazimbo, por mim, até aos mais novos. São várias gerações, cada uma com a sua história e influências.
Este estilo musical está a ser desestruturado pela geração mais jovem. Confundem-na com o Pandza. Ora dizem que o Pandza vem da Marrabenta. Mas para mim vem da Africa do Sul.
Estamos a produzir o documentário para que este estilo musical seja documentado e fique claro, de uma vez para sempre, o que é efectivamente a Marrabenta.
Há cinco anos, portanto, em 2012, acabei de gravar em estúdio 12 cancões. Fiquei a espera muito tempo, porque a pressa é inimiga da qualidade. Podes fazer uma coisa hoje, daqui a dois meses podes ver que há falhas que precisam de ser corrigidas. Fiquei muito tempo porque também pedi as pessoas abalizadas para escutarem e darem as suas opiniões, de forma a que o produto final seja, em 90 por cento, um óptimo produto para ser consumido.
Aproveito o tempo para fazer misturas, dar alguns condimentos. Mas, também estou à procura de dinheiro para lançar esse CD.
Bom. Estava esquecer que há um jovem chamado Leonel Molino que fez um documentário (filme) sobre mim,, que faz parte do CD, que foi lançado em 2014. Portanto vai foi um KIT. Esse jovem já fez documentário de Noel Langa (artista plástico), João Paulo (falecido músico moçambicano) José Mucavele. Também está a ser escrito um livro, minha biografia, da autoria de João Cabrita.
FM - Mas que músicas são essas? São inéditas, ou são aquelas que toda a gente já conhece?
CA – A minha ideia era fazer um duplo álbum. Músicas produzidas desde ano de 1984 até 1990, de modo que os “hits” como “mercandonga”, “ negra macua”, cachangage”, “hantlissa Maria”. Mas devido as condições financeiras fiz um único CD. É que a partir do Prémio que recebi da Rádio Franca Internacional, em 1990, com “Baila Maria” acho que nasceu um outro Chico António.
Por causa da bolsa que recebi para ir estudar em Franca, vim com outros conhecimentos musicais. São outras experiências que bebi com outros artistas de renome internacional, como o Manu Dibango, Arilena, Mori Cantê, Salif Keita, etc. Portanto queria fazer o antes e o depois.
FM – Para isso voltou a combinar com a cantora Mingas, que ajudou a popularizar o “Baila Maria”?
CA – Não. Não meti “Baila Maria” . Meti “mercandonga que foi um sucesso. Introduzi “hatlissa Maria”, que também foi um sucesso. Fui buscar as músicas. Tudo o resto compus depois de 1992, quando regressei de Franca.
FM – E as vozes que se ouvem na cancão “mercandonga”, as vendedeiras de mercados que apregoam o peixe e o camarão, que dizem “este peixe saiu hoje da mar”, ainda estão vivas?
CA – Não tive ocasião de encaixar. Não sei se aquelas senhoras ainda estão vivas. Se estão vivas não sei onde estão. Os preços também já não são os mesmos (risos). O preço do quilograma de camarão naquele tempo era um agora é outro. Eu também raramente compro camarão. Bem os tempos são outros. O quilo de camarão deve custar um vencimento mínimo…
FM – Está a falar de dificuldades financeiras para fazer uma gravação de um CD. Mas os “putos”, ou seja a nova geração parece que não sente isso. Assistimos gravações de novas músicas quase diariamente. Explica-me. Que dificuldades financeiras são essas?
CA – Em Moçambique gravar a sério e difícil. O álbum que lancei, pagando os músicos, as maquetes de CD, o estúdio, publicidade e todo o “staff” de gente que trabalha dentro deste álbum custou-me um milhão e trinta mil meticais. Esse dinheiro ninguém te dá daqui para aqui.
FM – Então defende que as músicas que proliferam nas rádios e TV’s todos os dias, porque são baratas, não tem gravação de qualidade?
CA São baratas porque recorre-se aos computadores, aos teclados. A maior parte dos sons vão buscar nos computadores. Substitui-se os músicos. Portanto, já não se paga o músico que faz o trabalho ao vivo.
Sai fácil, mas corre-se o risco de não ter qualidade e os instrumentos serem plásticos sintéticos, não terem o calor próprio de uma execução humana. Ficam sem emoção porque não é uma pessoa a tocar o instrumento. Quando é uma pessoa que toca o instrumento essa pessoa dá ao instrumento a sensibilidade e o “fealing” que se sente. Quando calca as cordas exala o calor humano. Sem isso fica plástico. Ora para se fazer um bom CD pode-se meter o computador, mas precisa-se de mão-de-obra humana, por isso sai caro.
FM – Tirando as gravações de que fala. Não temos visto o Chico António a fazer espectáculos de massas. O que é que se passa?
CA – Espectáculos de massas, com o envolvimentos das famosas operadoras de telefonia móvel? É isso de que está a falar? Isso depende das pessoas que organizam esse tipo de espectáculos. Das pessoas que trabalham nas áreas culturais dessa instituições. Vou dar um exemplo. Um DJ se abrir uma rádio passa a sonorizador dessa mesma rádio. Mas, um DJ é diferente de um sonorizador da rádio. DJ toca nas discotecas porque é o forte dele é nas danças de salão, etc. Mas, as pessoas que estão nas rádios são jovens. Impulsionam muito as músicas que estão em voga, sem querer saber se tem qualidade ou não. É que não estão formados musicalmente. Não são etnomusicólogos. Não têm esse conhecimento. Enquanto tiveres pessoas nessas áreas, nessas instituições, que não têm conhecimento, vão escolher aquilo que eles gostam. A boa música foi sufocada pela nova geração. Raramente a “velha guarda” é convidada para esse tipo de espectáculos. Ok. Se forem para xai-xai vão buscar Xidiminguana, Mister Bow, porque os outros da nova geração la não são ninguém. Ali só reina música de raiz. Portanto, depende de quem programa os espectáculos. Não sou eu somente. Músicos de grande craveira como Wazimbo, João Domingos, não são chamados, vai se lá saber porquê? É preciso que vocês os jornalistas perguntem a eles como é feita a selecção e para quê?
Nós tocámos o máximo para 800 pessoas, num lugar como o CCFM, Gil Vicente, Avenida, com gente em número reduzido e selectivo.
Mas, a minha opinião é a de que se se juntasse os chamados “kotas” e os jovens a coisa sairia mais bonita. Mas, o que há e o que se vê: um pouco de clubismo e tribalismo musical.
FM – Os jovens músicos defendem que os “kotas’ vivem do passado, das glórias do passado. Não produzem novas músicas. Concordas com esse posicionamento?
CA – Não concordo. Qualquer músico da minha geração está a sempre a produzir. Xidiminguana, Wazimbo, etc. Eu mesmo nunca parei. O que faz com que as pessoas não saibam o que faco é que as minhas musicas não tocam nas rádios. Mas, as músicas que toco nos espectáculos são composições novas. As pessoas que me seguem nos espectáculos sabem disso. Mas, os 23 milhões de moçambicanos não conhecem porque não são gravadas, não tocam nas TVs e rádios. Mas nunca parei.
FM – Chico, pelo menos deixar tocar na rádio publica, a Rádio Moçambique. Tens fãs que não têm oportunidade de ir ao CCFM, ou que estão fora de Maputo e gostam das tuas músicas. A RM tem responsabilidade de divulgar a nossa cultura.
CA – Eu sei. Vais ao Zimbabwe a rádio pública faz isso também. Em Angola idem, mais de 90 por cento das músicas tocadas pela rádio pública são locais. No Gana também é assim. Então no Senegal, Mali, lá norte de África, só ouvem a música deles.
Até estacões privadas fazem isso. Só 30 por cento é música estrangeira. De todos os países africanos que conheço tocam o que é deles. As rádios públicas são obrigadas por Lei. Aqui temos influência dos portugueses, ou estamos perdidos. Consumimos o que é dos outros. Dos Estados Unidos, da Europa, e dos outros países africanos. O que é nosso fica para trás. É difícil conceber uma rádio pública ou uma Tv pública, que não promovem a música nacional.
Mesmo na época colonial havia a Hora Nativa. Era para os nativos “curtirem” a sua música. Depois da independência, RM tinha a Emissora Nacional, que tinha vários programas de promoção de música nacional. O próprio Grupo RM foi criado para apoiar os músicos nacionais que tivessem valor e para alimentar as emissões de música moçambicana. Aqui havia a emissão Interprovincial de Maputo e Gaza, que também tinha uma missão de promover a música local. Isso pouco a pouco está a se perder.
FM – Já agora parece que o pais musical só se resume a Maputo. Pouco ou quase nada se ouve de espectáculos fora da capital. Pessoalmente, já pensou em ir cantar na Beira ou noutras regiões do pais?
CA – Qualquer plano precisa de dinheiro. Não posso fazer um “show” levando comigo apenas quatro pessoas. Isso é para o Gil Vicente. Mas, para um espectáculo para pessoas que tem sede de você, tem que levar um bom espectáculo. Mas, penso ir lançar o CD na Ilha de Moçambique. Há pessoas que me pediram para fazer isso. Há pessoas daqui de Maputo que estão radicados na Ilha de Moçambique. Pessoas da Beira que estão lá. São pessoas que me conhecem muito bem. A Beira, então, é minha casa. Com o meu próximo CD vou a todos os sítios onde sei que existe a minha gente, os meus fãs. Tenho que encontrar parcerias para fazer isso.
FM – E como o Chico olha para o momento político, económico e social que atravessámos? É que o quotidiano que julgo devia ser a matéria-prima para o seu trabalho como músico.
CA – Eu penso que a politica vai a frente do povo. Mas devia ser o contrário. Não sou politico…Vou dar um exemplo: quantos dactilógrafos foram dispensados da função pública ou no sector privado, desde que foram introduzidos os computadores? Para onde foram essas pessoas? Para o desemprego. Hoje muitas dessas pessoas estão a vender nos mercados, nas ruas. Pensavam que iriam ter uma boa reforma, mas estão desesperadas. Temos que avançar com o desenvolvimento, mas um desenvolvimento sustentável. Que leve consigo a massa humana. Senão não vale a pena esse desenvolvimento. Em muitos dos casos, por causa globalização descuramos valores básicos da vida de uma pessoa. A maior parte dos moçambicanos não vive, sobrevive. As querelas entre o Governo da Frelimo e a Renamo complicam muito a vida do cidadão. Portanto, os governantes têm que entender que foram eleitos para governar e não para impor ou serem ditadores. Infelizmente alguém tem que Governar. Se o povo puder viver sem ser governado, se calhar estaria a seguir uma outra direcção. Os governantes muitas vezes esquecem-se do povo e dedicam-se a alimentar o seu ego. Isso faz com que o desenvolvimento não seja harmonioso. Sabemos que um pode ter mais que o outro. Mas, o que não tem merece viver minimamente bem. Despistamos um pouco na forma como levamos o barco chamado povo.
Se calhar com a descoberta dos recursos minerais podemos acabar com alguma miséria. Mas, penso que politicamente estamos perdidos.
FM - Quando olhas para o teu percurso todo concluis que valeu a pena ter escolhido viver de musica?
CA – Felizmente quando abandonei o Propedêutico, na Universidade Eduardo Mondlane, prometi a mim mesmo que tinha que viver da música. Por isso fui duro para comigo mesmo. Fui disciplinado e disse de mim para mim tens que viver da música e ter uma vida que teria se fosses medico ou engenheiro. Não valia a pena deixar os livros, numa altura que estava a acabar, para virar uma coisa que não gostasse. Pensei que através da música ia ser alguém.
O grupo RM, por exemplo, foi a minha academia. Tocar naquele grupo foi o ponto mais alto da minha vida. Fiquei 10 anos ali.
FM – sabemos que o grupo RM percorria todo o pais. Também viajava muito pelo estrangeiros Recorda-se em que países foram actuar?
CA – O grupo experimental numera Um com Alípio Cruz e João Cabaco, era apoiado pela OJM. Era como se fosse um Linking da OJM. Viajei para quase todos os países do Leste Europeu a custa da música, a custa da Frelimo. Rússia, Jugoslávia, RDA, Roménia, Hungria, Bulgária, etc. Com o grupo RM idem. Mas também fomos para os países ocidentais. Holanda, Itália, Inglaterra, Franca, Finlândia, Noruega, Suécia. Em africa, Angola, Zimbabwe, África do Sul, Cabo Verde, Mali, etc.
FM - Certamente partilhavam o palco com grandes nomes. Quem foram eles?
CA - Sim. Tocamos com Manu Dibango, Salif Keita, Mcknofli, Yo So Ndou, Miariam Makheba, Hugo Massiquela, Peter Gabriel, Mori Kantê, entre outros. Esses festivais eram grandes. Desde 1984 que não paro de viajar pelo mundo.
FM – Como é que surge a bolsa de dois anos em Franca?
CA – A bolsa surge quando compus a “baila Maria”. Ganhei o primeiro prémio da Rádio Franca Internacional. É preciso dizer que no mesmo ano e com a mesma musica no “Ngoma Moçambique” na RM fiquei em oitavo lugar. Veja as analises dos júris.
O presidente do juro do concurso da RFI era o Manu Dibango e havia três mil e tão concorrentes. Com o prémio tive o direito de entrar no estúdio, gravar um CD pago. Custou 100 mil dólares norte-americanos pagos pela RFI.
Em paralelo tinha direito de fazer um curso de técnico de Som em estúdio. O objectivo era entender a linguagem dos técnicos. Achei que tinha que ter esses conhecimentos para dizer o que quero quando gravo as minhas músicas. Também tirei o curso de arranjista. Depois fiz o curso de técnicas básicas de piano. Dantes tocava piano empiricamente. Foram dois anos a fazer isso e aperfeiçoar a língua francesa.
Entrevista conduzida por LOBÃO JOÃO