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Livro confirma relação próxima entre Mondlane e Mandela na década de 1950
2018-07-12 13:58:12 (UTC+01:00)
O fundador da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) Eduardo Mondlane participou nos encontros organizados por Nelson Mandela na clandestinidade entre 1945 e 1953, disse à Lusa a autora de um livro que reúne as cartas do líder sul-africano.
Hoje é editado em Portugal o livro "Cartas da Prisão de Nelson Mandela", que junta a correspondência do combatente 'anti-apartheid', coligido pela investigadora sul-africana Sahm Venter, que falou à Lusa sobre as ligações entre os movimentos anticoloniais ao longo do século XX.
Na missiva datada de 1 de Dezembro de 1970, e endereçada à atenção de Sanna Tysie, proprietária do 'Blue Lagoon', Sanna Teyse, Mandela escreve em Afrikaans a questionar se o famoso café-restaurante continuava ainda de pé e a agradecer o papel que o espaço teve como "o ponto de encontro que manteve unidos durante os últimos 25 anos (1945)" os resistentes.
O restaurante, na baixa da cidade de Joanesburgo, foi um dos locais de encontros entre líderes africanos, recordou Mandela na carta, dirigindo-se à proprietária.
"O seu café era uma instituição que transformou a vida de muita gente. Conhecidas personalidades como Seretse Khama (1921-80, primeiro presidente do Botswana pós-independência), Oliver Tambo, Eduardo Mondlane e Joshua Nkomo (1917-99, líder fundador do ZAPU, Zimbabwe African People's Union, criado em 1961), encontraram-se assiduamente aí para jantar e descansar", escreveu Mandela, na sua carta escrita na então prisão da Ilha de Robben, ao largo da Cidade do Cabo, onde esteve encarcerado durante 18 anos (1964 a 1982).
Em entrevista à Agência Lusa, a investigadora sul-africana Sahm Venter, que juntou 255 cartas de prisão de Nelson Mandela num livro a retratar o percurso do Nobel da Paz pelas quatro instituições prisionais por onde passou desde 5 de Agosto de 1962 a 11 de Fevereiro de 1990, data da sua libertação, acredita que os encontros com Eduardo Mondlane (1920-69) na clandestinidade, uma década antes da fundação da Frelimo (1962), apontam para uma forte ligação entre os dois combatentes.
"É muito possível, até porque não temos qualquer outra referência sobre isto, mas seria interessante saber o teor dessas conversas porque em 1952 é o início da campanha de resistência do ANC (Congresso Nacional Africano) contra o regime do 'apartheid na África do Sul e do julgamento de Mandela no final desse mesmo ano juntamente com outros 19 acusados e, portanto, é neste período que assistimos ao desenrolar da grande revolução", explica.
A investigadora recorda, a propósito, que em 1953, Walter Sisulu (contemporâneo de Mandela na fundação do ANC) já tinha visitado a China, na procura de apoios para a causa revolucionária sul-africana, oito anos antes do início da luta armada na África do Sul, em 1961.
E é nesse sentido que pode ser lida a carta enviada por Mandela: "os anos de 1952-53 é talvez o período em que vocês [os proprietários do Blue Lagoon] prestaram a contribuição mais importante para o progresso e felicidade da nossa nação".
"Nas suas cartas da prisão, Mandela dá uma atenção considerável ao detalhe e é surpreendente que mencione Eduardo Mondlane e Joshua Nkomo, além de outros, porque é obviamente algo que estava a tentar comunicar sem que os guardas prisionais e a censura de Estado percebessem a mensagem, mas retrata como era Joanesburgo e a África do Sul na sua época", afirma Sahm Venter.
Naquele tempo, muito poucos eram os restaurantes em que os negros sul-africanos estavam autorizados a frequentar, sublinha a investigadora.
E locais como o 'Blue Lagoon' onde jantavam, "era a preferência da elite, formada à época pelos intelectuais e os combatentes da liberdade". A autora adianta ainda que na prisão, Nelson Mandela não estava autorizado a escrever a outros líderes políticos da sua época.
No entanto, a morte do Presidente de Moçambique Samora Machel, em 19 de Outubro 1986, vítima de acidente aéreo em Mbuzini, mereceu uma atenção especial de Mandela.
"O único registo que encontrei foi quando esteve na prisão de máxima segurança de Pollsmoor (Março 1982-Agosto de 1982), Cidade do Cabo, onde, à época, as restrições já eram menos severas e Mandela podia escrever, a título muito especial, cartas de condolências", explicou.
Nessa ocasião, "escreveu uma carta a Graça Machel, em seu nome e da sua mulher Winnie Mandela, a lamentar a morte" de Samora Machel, disse à Lusa Sahm Venter.
"As cartas de prisão de Nelson Mandela",título do livro publicado quarta-feira na África do Sul pela Blackwell and Ruth, reúne 255 cartas organizadas durante cerca de dez anos por Sahm Venter e escritas por "Madiba", como é conhecido no país.
Segundo a autora, as cartas constituem um terço do acervo reunido para a Fundação Nelson Mandela, acrescentando que "existem muitas mais de que se desconhece o seu paradeiro".
A colecção encontra-se organizada por ordem cronológica e dividida pelas quatro instituições prisionais por onde Mandela passou desde 5 de Agosto de 1962 até à data da sua libertação em 11 de Fevereiro de 1990: Pretória Local Prison (1962-1963), Robben Island Prison (1964-1982), Pollsmoor Prison (1982-1988) e Victor Verster Prison (1988-1990).