Opinião

Entreguem minha esposa à sociedade

Foi numa manhã de sexta-feira que recebemos a informação de que o primo tinha partido para a outra. Uma outra vida que não conhecemos, até porque, pelos seus actos aqui terra, não sabemos se o primo foi para o inferno ou para o paraíso.

Ninguém está preparado para perder um ente querido, por mais pregador de igreja que seja. A morte dói e ninguém merece. Mesmo havendo promessas no último adeus, do pastor, de que ele vai à direita do Senhor. Morte é morte.

Em vida, primo Tomé foi um tipo muito batalhador. Sempre lutou por tudo o que conquistou. Para muitos, aparentemente ele não ficou doente. Dormiu, por causa da tensão baixa que tinha, e não mais acordou.

Fomos convocados de emergência. Os irmãos de Cabo Delgado, os de Nampula e Zambézia chegaram primeiro, via área. Os tios da Maxixe e de Chibuto foram os últimos.

Primo Tomé nasceu em Chimoio e o seu pai, irmão do meu progenitor, nasceu em Nacala, quando meu avô trabalhava no porto. A origem da família é mesmo Mussorize, Manica, antiga capital do Império de Gaza.

Culturalmente, apesar de cada um de nós nascer onde nasceu, as tradições do Império de Gaza é que vincam nos momentos tristes, em que a tradição é chamada a preencher o vazio da modernidade.

Chegados os tios, os mais velhos, de Chibuto, trataram de colocar a matriz a seguir e as cerimónias subsequentes. Nessas cerimónias mandam os homens. Na morte dos maridos, geralmente as mulheres não têm voz, tudo lhes é imposto pela “sograria”. Não vale a ciência nem ser mais velho. Vale, sim, a árvore genealógica da família e, sobretudo, quem faz o quê e para que fim – este fim que nem sempre é justificado.

Cumpriram-se os rituais das cerimónias fúnebres e, depois do chá, o tio Manuel, que era controlador da matriz, fez questão de agradecer a todos os que acompanharam o último adeus do mano Tomé, como carinhosamente era tratado, e disse que o tempo era reservado à família. Antes, os colegas de serviço tinham pedido para deixar um envelope que o mano Tomé guardava no seu escritório, com um documento confidencial para a família.

Mano Tomé, meu primo, conhecendo a família que tem, tratou de colocar todos os pontos num documento de uma página, cujo teor é o seguinte:

“Prezada família,

Estão hoje reunidos porque eu parti. Não tenho muita coisa a dizer. Obrigado por tudo quanto fizeram na minha vida, mas quero esclarecer-vos o seguinte:

Esta casa onde vocês estão reunidos, suponho que seja a da Polana-Cimento, é mesmo minha casa. Ela continua minha e da minha querida esposa. Irei frequentá-la pela noite adentro, por isso não precisam de fazer o kutxinga (kupinda kufa), porque, na verdade, eu ainda existo. De dia, entrego a minha esposa à sociedade, onde a encontrei. Sobre os outros meus bens, que na verdade conquistei com a minha esposa, filhos e trabalhadores, próxima semana, no sétimo dia, ela vai entregar-vos outro documento. Por isso, meus familiares, não se batam. Até breve! Prossigam com as cerimónias. Mais uma vez, obrigado!”
A história continua…

*Mutendamente Falando

Mendes Mutenda

Mendes Mutenda

É jornalista moçambicano e natural de Sussundenga, na província de Manica. Foi formado pelas Escolas de Jornalismo (Médio Profissional) e Superior de Jornalismo. Há mais de 15 anos que trabalha na Comunicação Social, tendo passado pela rádio e televisão como apresentador de conteúdos informativos. Para além, de desempenhar funções na plataforma informativa Folha de Maputo é Docente-estagiário da Escola Superior de Jornalismo e analista de assuntos sociopolíticos em Moçambique.