Opinião

“Gestor Cultural? Desculpe, Faz o que? Mas Cultura Estuda-se? Para o que?”: Problematizando a figura do Gestor Cultural

Estas perguntas são suáveis, talvez das mais razoais que poderia selecionar para descrever o largo processo de questionamento que um estudante da área de Estudos da Cultura enfrenta. É duro e doloroso.

Pouco se imagina que se pode cursar por 4 anos um curso de licenciatura virado a “Cultura”, afinal sedimentou – se a ideia de que a Cultura está ligada à brincadeira e recreação o que sustenta a sua não valorização como uma área de estudo cientifico.

Por vezes, estes profissionais escondem-se por detrás dos Antropólogos e Sociólogos para arrobustar as suas linhas de estudos e ocupar um espaço no mercado científico e profissional, alguns ainda optam por ocultar o termo “Cultura” e auto cognominam-se Licenciado em Gestão ou apenas Pesquisadores. É uma situação. Enfim, não são Antropólogos, não são Sociólogos, muito menos “simples Gestores/Pesquisadores” - são Gestores Culturais e não promotores culturais, são Pesquisadores Culturais e não Antropólogos – ainda que exista uma semelhança no seu objecto de estudo, são duas áreas completamente distintas (poderei reflectir sobre isso no próximo texto).

Hoje quero centrar-me apenas na Gestão Cultural, um curso de Licenciatura leccionado no Instituto Superior de Artes e Cultura – ISArC, que neste ano comemora o seu 10º aniversário. Concentro –me em duas percepções recorrentes, a primeira que versa sobre a dicotomia entre a figura do Gestor Cultural e Promotor/Produtor Cultural que muitas vezes são tomados como sinónimos. A segunda, tem a ver com a limitada percepção segundo a qual o profissional do campo da Gestão cultural é um indivíduo formado apenas para actuar em instituições culturais (Museu, Casa da Cultura, Biblioteca, Direcção da Cultura) ou seja, em lugares onde a Cultura material esteja presente.

São dois paradigmas que limitam as percepções sobre a Gestão e o Gestor Cultural e obstruem a sua actuação no mercado de emprego. Estas percepções carregam consigo um viés histórico e social. Ora, sedimentou-se um conceito bastante simplista sobre a Cultura, limitando-a a perspectiva recreativa. Este pensamento rotulado contribui para que a cultura seja excluída nas estratégias de desenvolvimento e como um instrumento estratégico nas relações organizacionais e comunitárias e na melhoria da competividade das empresas.

A Gestão Cultural pressupõe procedimentos administrativos e operacionais, mas não se resume a estes; pressupõe a gerencia de processos no campo da Cultura e da Arte, mas vai mas além disso. Ela surge da combinação das duas perspectivas, ainda que para alguns teóricos, o profissional que se dedicada a promoção da cultura material (dança, música, teatro, gerencia de espaços culturas) tem a designação de “Gestor de Cultura” e o profissional dedicado a gestão do conhecimento e comportamento de um indivíduo enquanto um ser social tem a designação de “Gestor Cultural”.

Nesta perspectiva, a figura do Gestor Cultural é de crucial importância nas diversas instituições pela sua idoneidade de gestão do conhecimento tácito – ele tem a capacidade de estudar e analisar os hábitos, costumes e comportamentos que podem influenciar na implementação de qualquer plano estratégico (seja social, económico ou ambiental). Não é por acaso que durante a sua formação é envolvido num ambiente analítico e critico proporcionado por disciplinas como Economia criativa, Sociologia, Antropologia, Direito, Psicologia Geral, História contemporânea e outras que endossam nas suas habilidades a capacidade de solucionar problemas de carácter social de acordo com o seu contexto.

Do outro lado, poderíamos perguntar: como falar do preservativo - numa sociedade conservadora? Do uso da rede mosqueteira - numa sociedade que tem a pesca como a sua principal actividade? Do casamento prematuro - numa sociedade onde este tipo de casamento está enraizado como uma tradição? Ou por outra, como definir estratégias de desenvolvimento sem ferir com os princípios locais? O Gestor cultural tem a resposta.

As funções de um gestor cultural incluem a gestão de pessoal, marketing, gestão de orçamento, relações públicas, captação de recursos, desenvolvimento e avaliação do programa e relações financeiras. Ou seja, um gestor cultural tem o papel de fazer com que os saberes locais sejam contemplados em qualquer actividade institucionais.

Estes aspectos, são por vezes ignorados mas são de crucial importância na implementação de qualquer plano estratégico, seja de carácter público ou privado. Em todo caso, devo responder as primeiras perguntas: Cultura! estuda-se sim e o Gestor cultural é um profissional que desenvolve um conjunto de estratégias para o funcionamento normal de uma organização tomando em consideração as características peculiares do seu público-alvo.

Não obstante, não se pretende com esta reflexão refutar a importância deste profissional na gestão da cultura material, na promoção e divulgação das artes mas sim, busca-se imprimir uma outra perspectiva que não restringe as suas funções a simples organizador de eventos ou promotor cultural.

De forma geral, valida-se a perpectiva defendida por Mariscal Orozco (2006: 59-60), segundo a qual, o gestor cultural pode ser um agente com “visão social”, quando se assume como agente de mudança social e propõe actividades depois de levar a cabo um estudo do ambiente que o rodeia identificando necessidades e fragilidades muito específicas desse local; agente com uma “visão administrativa”, quando pratica um tipo de gestão muito voltada para administração dos serviços e projetos, controlando e avaliando os recursos; e, por fim, um agente com “visão artística”, quando desempenha o papel de mediador entre a arte e a sociedade: democratização da cultura. Em regra geral, estas funções são sistematizada pela sigla PEVA: Planificação (P); Execução (E), Verificação (V) e Actuação (A).

No entanto, é preciso reformular o discurso que se sedimentou sobre a cultura e abandonar o parasitismo quando abordamos questões ligados à cultura. Ora, quando se trata de um assunto de ídolo cultural, que suscita análises localizadas e métodos próprios, ignora-se estes factores e acredita-se que qualquer um pode ser analista cultural ou até um profissional da cultura. O contrário, não acontece em outras áreas. Uma perspectiva que torna a cultura cada vez mais exposta a interpretações malévolas. Enfim, é importante assumir a cultura na sua vertente interdisciplinar e tomar a figura do Gestor cultural como o conhecedor da realidade local e interpretador do conhecimento tácito. Tomando está vertente, será verídica a importância deste profissional em Ministérios, sectores públicos e privados que vão mais além do ministério da cultura ou outras instituições culturais.

Belarmino Lovane

Belarmino Lovane

Natural de Sussundenga, é pesquisador cultural, licenciado em Estudos Culturais pelo Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC). Mestrando em Desenvolvimento Regional em Osorno no Chile. Agente de comunicação da Plataforma Internacional de Dança Contemporânea – KINANI. Docente e Praticante no Centro de Estudos Regionais e Politicas Públicas de Chile. Tendo participado no destacado encontro de Desenvolvimento das Artes Performativas na Costa de Marfim. Foi Assistente de Comunicação do Projecto Xiquitsi. Foi membro da Organização dos Continuadores de Moçambique (OCM) e do Secretariado do Parlamento Infantil. Com formação intermédia em Jornalismo Comunitário, foi igualmente Presidente Assistente dos Estudantes do Instituto Superior de Artes e Cultura. Actualmente reside no Chile.