Opinião
O testamento do primo Tomé
Sete dias depois de termos acompanhado o primo Tomé à direita do Senhor, eis que a família alargada segue com a matriz cerimonial. Mas antes tinha ficado um recado no testamento, de que ninguém devia “txingar” a esposa.
Supunha-se que este recado de mano Tomé, em testamento guardado no seu gabinete e lido após o funeral, fosse único, mas eis que a família paterna, eu inclusive, é surpreendida por um outro documento semelhante. Este tinha até assinaturas e carimbos, com indicações de que havia cópia do mesmo nos serviços notariais.
Durante a semana que nos separou do funeral ao oitavo dia, houve discussões acesas na família, entre a chamada esperteza da viúva até possível distribuição dos bens. Depois da deposição da coroa de flores, na manhã daquele sábado, eis que a viúva exige a presença do habitual advogado da casa para testemunhar as decisões da pós-morte do seu marido, primo Tomé.
Eu, primo de mano Tomé, conhecendo como ele era em vida, tentei aconselhar os tios para que não distribuíssem qualquer bem. Porém, não fui atendido e a minha intervenção era quase insignificante, olhando para os “madodas da causa”.
Eis o testamento escrito pelo primo Tomé em vida:
“Meus pais, meus irmãos, meus primos, meus tios, filhos e minha esposa, todo o protocolo observado. Estamos todos aqui reunidos porque eu parti para outra. Agradeço o apoio que me deram em vida!
Primeiro: A vida é curta. Do pouco tempo que temos na vida, temos de trabalhar arduamente para que os nossos seguidores, os nossos filhos, tenham motivos de dar continuidade à espécie humana. Tudo quanto consegui em vida fiz com a minha mulher, para os nossos filhos. Os bens existentes, as pequenas economias e algumas infra-estruturas, penso serem suficientes para garantir os seus estudos, para que amanhã cada um seja autónomo e capaz de dar continuidade ao apelido da nossa família.
Segundo: Sobre as minhas roupas, cabe à minha esposa oferecer a quem quiser, dentro da família, sem, no entanto, existirem razões de fúria. Acredito que a roupa que cada um de vós tem comprou de acordo com os seus gostos.
Terceiro: Como disse antes, a esposa continua minha até ao dia em que ela decidir celebrar outro tipo de casamento. Mas para isso, aviso já, o tal homem a casar com ela não deve ser meu familiar e deverá levá-la para casa dele e começar uma nova vida. Os meus bens são para os meus filhos.
Quarto: Meus pais, sempre disse à minha esposa que a casa que construi enquanto solteiro é vossa. Em vida não consegui oferecer-vos. Podem ficar com a casa da Malhangalene. É só uma questão de falar com o inquilino. Decidam o que querem fazer deste empreendimento que fiz enquanto comia a vossa xima.
Quinto: Os meus irmãos que continuem a batalhar na vida para que os seus filhos não sofram por terem nascido. A vida é esta e não outra. Cumprimentos às vossas esposas, minhas cunhadas!
Sexto: Tios e tias, que continuem vocês mesmos, pessoas que nos consolam quando precisamos. Continuem com esta missão de transmitir valores nobres à família no geral, família de cada um de nós. Não abandonem os meus filhos, eles precisam de ensinamentos desta vida.
Sétimo: Família, temos de aprender das viúvas que perderam tudo. Temos de aprender de famílias que ficaram destruídas por simples morte dos maridos. Façam desta viúva, minha esposa, vossa filha. Não lhe façam o que não gostariam que se fizesse às nossas duas irmãs ou às nossas filhas dentro da família. Os bens são um activo para continuidade.
Eis a reacção da família (a crónica continua) …